Não raras vezes, o cliente entra no meu escritório e diz: “eu quero pedir a minha insolvência”. Quando pergunto se conhece as consequências e as implicações dizem-me sempre que não. A maioria decide avançar porque ouviu na televisão ou porque o amigo já pediu… Na verdade, acham simplesmente que pedindo a insolvência ficam sem dívidas e sem problemas. Não é bem assim…
Primeiro é preciso perceber o que é estar insolvente.
Considera-se que está em situação de insolvência, o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE). Um passivo superior ao ativo é sinónimo dessa incapacidade de cumprimento. Ou seja, se tem mais dívidas do que dinheiro para pagar, então está insolvente.
Normalmente, os casos mais frequentes tem que ver com pessoas que deixaram de pagar a prestação da casa, a prestação do carro, os créditos aos consumo, de cumprir as obrigações fiscais…porque ficaram desempregadas ou porque contraíram demasiados créditos que não têm capacidade de pagar.
Princípio do fresh start
É por causa deste princípio que as pessoas se sentem aliciadas em pedir a insolvência. É esta possibilidade de começar de novo, sem o peso das dívidas, que cativa o devedor. É a hipótese de arrumar a casa e voltar a ter alguma paz e tranquilidade. E é verdade…quem pede a insolvência expressa sempre uma sensação de alívio e conforto. São os telefonemas das empresas de cobranças que deixam de existir e as cartas ameaçadoras que deixam de chegar. Muitas pessoas revelam que voltam a poder dormir.
Mas ATENÇÃO, esta exoneração (insolvência) nem sempre é concedida!
Como funciona?
Com o pedido de insolvência, o devedor pede também a chamada “exoneração do passivo restante”. A lei permite que ao devedor, pessoa singular, seja concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem pagos no processo ou nos cinco anos posteriores ao encerramento – cfr. artigo 235.º CIRE. Isto é, as dívidas que não forem pagas durante o processo de insolvência deixam de existir cinco anos depois do encerramento do processo.
Para isso acontecer é preciso que se verifiquem determinadas condições.
A exoneração determina a extinção das obrigações do insolvente, com exceção dos créditos tributários (finanças) e da segurança social, créditos por alimentos, créditos por multas, coimas ou outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações – cfr. artigo 245.º, n.º2 CIRE.
Implicações da declaração de insolvência
O que o devedor normalmente não sabe é que só pode começar de novo quem cumprir determinados deveres previstos no n.º 4 do artigo 239.º. Entre eles encontramos:
- a obrigação de não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título;
- exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
- entregar ao fiduciário a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
- comunicar a alteração de morada e não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência.
O incumprimento dos deveres acima referidos pode determinar a não aceitação do pedido de exoneração do passivo restante.
Consequências de uma insolvência:
Além disso, o “começar de novo” tem consequências e impõe ao insolvente encargos e responsabilidades que em 90% dos casos o devedor desconhece.
A declaração de insolvência determina:
- Nomeação do administrador da insolvência e, numa segunda fase, do fiduciário;
- Averbamento na certidão de nascimento;
- Apreensão do ativo a favor da massa insolvente (casa, carros, heranças, contas bancárias, bens móveis) e consequente venda dos mesmos para pagamento aos credores;
- Definição do rendimento disponível (valor que o insolvente pode despender mensalmente e que normalmente corresponde a um ordenado mínimo – o valor acima é entregue mensalmente ao fiduciário, bem como subsídios de natal e de férias) – cfr. artigo 239.º, n.º 3 CIRE;
- 5 anos de período de exoneração do passivo restante (nunca são 5 anos atenta a morosidade processual, em alguns casos chega a atingir os 10 anos);
- os créditos fiscais (finanças e segurança social) não estão abrangidos pelo processo de insolvência e, nessa medida, as dívidas fiscais não deixam de existir depois do período de exoneração do passivo restante. Durante a pendência da insolvência estas dívidas ficarão apenas suspensas, sendo reativadas após o encerramento do processo de insolvência;
- mantém-se a obrigação de pagamento de pensão de alimentos.
Resumidamente, quem pede a insolvência perde todos os seus bens que são apreendidos e vendidos para pagar as dívidas existentes. Além disso, pode ver-se privado de uma parte do rendimento do seu trabalho, uma vez que ficará, na maioria das vezes, com uma salário mínimo nacional disponível, sendo obrigado a entregar o excedente ao fiduciário. Sabia disto?
A importância da avaliação do caso concreto
A insolvência não é a solução “milagrosa” para todas as situações. Há outras soluções possíveis, nomeadamente, os acordos extrajudiciais de pagamento em prestações. No âmbito da própria insolvência também é possível apresentar plano de pagamentos.
Deixem-me contar esta história … Há uns anos, o primeiro cliente que me entrou no meu escritório queria pedir a insolvência de uma empresa da qual era sócio gerente e de que tinha sido avalista. Na altura, o tribunal indeferiu o pedido de insolvência da empresa. Em alternativa, começamos a negociar acordos de pagamento com bancos, finanças e segurança social. Aos poucos fomos resolvendo. 10 anos depois as dívidas estão pagas, as penhoras levantadas e ele que tinha emigrado regressou a Portugal.
Cada caso é um caso e o seu não é igual ao do vizinho. Lembre-se que nem todas as portas são uma boa saída.
Fiquem bem.
0 Comments